dimanche, octobre 29, 2006

Engenhosidade

Muitos o chamavam de louco. “Voar é coisa pra pássaro”, diziam. “Deixa de loucura, rapaz”, falavam. Tentaram o desiludir, mas não conseguiram, pois ele era, antes de tudo, um brasileiro, e não desistia nunca.

Gastou anos perseguindo um sonho. Construiu diversos balões que encantaram a cidade luz, mas não era o suficiente, pois ele não podia ir para onde queria neles. Voltou à oficina e aos projetos.

Anos depois decolava seu primeiro balão dirigível, deixando a capital do mundo de boca aberta, mas não era o suficiente, pois não era um objeto mais pesado que o ar. Voltou à oficina e aos projetos.

Mais algum tempo se passou, e mais uma vez estava ele lá, tentando, pela 14ª vez, realizar seu sonho. Começava a acelerar. O vento corria pelo seu rosto de uma forma deliciosa. A velocidade aumentava, elevando também a adrenalina. O seu coração começava a levantar vôo, junto com sua máquina voadora. De repente lá estava ele, 2 metros do solo, sob os olhares de diversos parisienses que admiravam aquele homem que outrora fora chamado de louco. O mundo nunca mais foi o mesmo.

Uma singela homenagem à Alberto Santos Dumont, que em 23 de outubro de 1906 decolava na primeira maquina mais leve do que o ar a alçar vôo, o 14-Bis.

dimanche, octobre 22, 2006

Fazenda

- Amor, você não sabe o que houve. Os sem-terra invadiram a fazenda do meu pai.

- Interessante. Você sempre defendeu os sem-terra.

- Eu, defender aqueles vagabundos?

- É sim. Eu até te vi numa passeata do MST uma vez, na faculdade.

- É verdade... Mas é que agora é diferente.

- Diferente por quê?

- Porque é a fazenda do meu pai. É minha herança, não dos outros.

- Sei não, mas tou te achando muito nefelibata.

dimanche, octobre 15, 2006

Brinde

Os dois estavam sentados na cama, com as lágrimas rolando pelo rosto. Estavam tão tristes, decepcionados, desapontados.

Ela argumentava que a vida não fazia mais sentido. Ele dizia que ambos ainda tinham um ao outro. E como estavam deprimidos.

Depois de muito conversar, ele viu que só havia uma saída. Foi junto com ela à pequena loja na frente da casa deles. Dirigiu-se à sua mesa de trabalho, que era, por certo, a mais bonita que um boticário pobre poderia comprar. Pegou alguns frascos, misturou e serviu em duas taças. Os dois levantaram os copos e brindaram, saboreando posteriormente, como a um doce vinho.

Passado aquele macabro brinde, ambos se deitaram, abraçados, ela na frente, ele atrás, com as mãos entrelaçadas.

jeudi, octobre 05, 2006

Literário

Ele estava apreensivo. Fazia mais ou menos dois meses que tinha se inscrito num concurso literário da repartição onde trabalha, feito em homenagem a uma grande autora cearense. Ele havia escolhido um de seus melhores textos, intitulado "Ponto e Vírgula", adaptou e enviou à comissão avaliadora. Estava tão ansioso em participar que protocolou sua inscrição com o número 001, talvez no desejo de que "brevidade" fosse um dos quesitos a serem avaliados.

Os dois meses que separaram a data da inscrição e a divulgação do resultado foram particularmente longos. Aqueles minutos que antecediam o anuncio oficial do resultado, como não poderia deixar de ser, pareciam demorar anos para passar. Os ponteiros do relógio pareciam faceiramente preguiçosos, temerosos de dar mais um passo adiante.

Os olhos vidrados na tela do computador, por onde seria anunciado o resultado. Aperta o botão atualizar no Internet Explorer. Nada. Pressiona o botão F5, como se o computador fizesse alguma diferença entre o botão do teclado e o do navegador, que fazem rigorosamente a mesma coisa. Nada. Praguejou baixinho contra o sistema de informática. Nada.

Quando já havia desistido, a rádio do local de trabalho começa a anunciar os nomes. A tensão, local e arterial, começa a subir. Ouvidos atentos. 1º lugar. Nada. 2º lugar. Nada. 3º lugar. Nada. 4º lugar. Nada. Já havia perdido as esperanças quando ouve o seu nome ser falado pela locutora, como classificado em 5º. Uma sensação de alegria invade o seu peito. Não ganhou o computador ou os livros que ficaram reservados aos três primeiros colocados, mas a simples sensação de reconhecimento já era prêmio o bastante. Um sorriso profundo se desenhou em seu rosto e a felicidade invadiu seu peito. Ele também se tornou mais um blogueiro a deixar o ao nonimato da internet.

Comédias de uma vida longe de ser privada.

dimanche, octobre 01, 2006

Eleições

Lá estava ele, sentado no velho banco da praça. Lembrava-se de quando a conhecera ali mesmo, há tantos anos, num dia de eleições, como aquele. Ele já havia votado, quando ela sentou do seu lado e começou a conversar:

- Em quem você vai votar?
- Eu já votei.
- Em quem você votou?
- No Juscelino Kubitscheck.
- Eu não voto nele não. Perece muito idealista.

E naquele momento ambos se sorriram. Depois de algumas horas, ambos se levantaram e achavam que nunca mais iriam se encontrar.

Acontece que o destino o uniu outra vez, naquele mesmo banco, num outro dia de eleição.

- Olá.
- Oi! Quanto tempo ein?
- É verdade. Parece que você acertou na sua escolha não é? Juscelino foi eleito, e até que ta fazendo um bom governo.
- Verdade.

Mais uma vez se sorriram e conversaram a tarde inteira. Daquela vez, antes de se despedirem, marcaram de se encontrar uma outra vez, afinal, se o destino o fez se encontrarem por duas vezes, deveria ser porque reservava algo pros dois. Pouco tempo depois estavam namorando.

Outra eleição se aproximava, e eles marcaram de se encontrar, antes de irem votar, naquele mesmo banco em que se conheceram. Quando ela chegou, ele já estava lá, esperando. Conversaram um pouco quando ele, meio nervoso, colocou a mão no bolso, para tirar uma caixinha preta. Ajoelhou-se no cimento quente e ali mesmo a pediu em casamento, e ouviu o “sim”.

Antes de votar eles sempre se encontravam naquela praça, como que se fosse pela primeira vez. E como que se fosse a primeira vez, se enamoravam novamente.

Dessa forma muitas eleições se passaram, mas nessa o encontro não se repetiria. Ele fitava o horizonte, nutrindo uma falsa esperança, fonte de uma tolice inerente a alma de cada ser humano. “Ela já era muito idosa”, ele pensava. Uma lágrima escorria pelo seu rosto.